
A média diária de operações foi de 1.092 em 2024, uma alta de 16% em relação a 2023, segundo dados da B3 Os Certificados de Operações Estruturadas (COEs) ainda estão longe de ter junto aos investidores pessoas físicas a popularidade de outros tipos de investimentos do mercado financeiro, como ações, títulos públicos e até mesmo Certificados de Depósito Bancário (CDBs). Mesmo assim, eles seguem sendo “figurinha certa” em muitas recomendações de assessores de investimento para clientes recém-chegados em instituições ou plataformas. E isso tem se traduzido em números: o estoque de COEs chegou a R$ 90 bilhões em 2024 e a média diária de operações registradas na B3 foi de 1.092, uma alta de 16% em relação a 2023. Com dados da bolsa de valores brasileira, o Valor Investe mapeou o que tem sido oferecido no mercado e listou alguns pontos importantes que o investidor precisa saber. Especialmente porque não se trata de um produto fácil de entender. E aqui explicamos o porquê.O que vem sendo negociado por aí?De acordo com os números da B3, 72% do volume financeiro dos COEs estão em produtos atrelados a índices, sendo 45% ligados a indicadores estrangeiros, como o S&P 500, e 27% a índices nacionais, especialmente o Ibovespa, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou a variação do Certificado de Depósitos Interfinanceiros (CDI, taxa que segue bem de perto a Selic). Isso significa, portanto, que a maioria dos COEs existentes no mercado dependem do comportamento de algum indicador que os “orienta”, que também pode ser chamado de "indexador".Mas, para entender o que isso significa, no detalhe, é preciso explicar como esse produto funciona. Assim como acontece nos fundos de investimento, o COE funciona como uma cesta que reúne um ou diversos tipos de ativos. A principal diferença, porém, é que o rendimento de um COE não está vinculado apenas ao desempenho da cesta de ativos. Isso porque ele é um investimento que faz uma “aposta” em um cenário futuro. Essa aposta pode envolver, por exemplo, a alta da bolsa americana, a valorização do dólar ou, até mesmo, o calote dos títulos do Tesouro Nacional.Além do mais, ao contrário dos fundos, os COEs possuem um prazo de vencimento, que é o tempo necessário para que o cenário idealizado se concretize (ou não). E algumas estruturas podem ter a apuração das condições em períodos intermediários, a cada seis meses, por exemplo. É importante lembrar que, desde o seu lançamento, o COE tem sido apresentado como uma “combinação de renda fixa e renda variável”, pois oferece a chance de obter um retorno superior à taxa Selic, ao mesmo tempo em que promete que o investidor não “perderá dinheiro” caso o cenário previsto não se confirme. Do total do volume de COEs emitidos, 97% são do tipo capital protegido. Ou seja, devolve, pelo menos o dinheiro que o investidor aplicou no fim do prazo, mesmo que sem juros e correção pela inflação. No entanto, como não existe almoço grátis, essa estrutura tem dois pontos de atenção. O primeiro é que, no caso de um cenário positivo, o investidor nem sempre fica com todo o ganho obtido. Existem estruturas, por exemplo, em que, se o retorno do índice escolhido for de até 10%, o ganho do investidor só começa a partir desse valor. Até lá, recebe de volta apenas o que investiu, sem juros e correção. Em outros casos, há COEs em que pagam até um determinado limite de ganhos. Se a variação do indexador escolhido passar daquela margem, não importa, o ganho do cliente só vai até aquele limite.O segundo é que, no cenário negativo, o “dinheiro de volta” normalmente não vem corrigido — ou a rentabilidade é inferior às taxas de mercado —, o que pode representar uma perda maior quanto mais longo for o prazo do investimento. Isso porque, com os juros atuais, receber o capital de volta depois de dois anos representa um custo (leia-se perda) de aproximadamente 30%.Os dados da B3 mostram que 90% dos COEs têm prazos entre dois e seis anos. A consequência prática é que o investidor fica com o dinheiro “travado” durante todo esse período, já que os COEs não são produtos facilmente negociáveis no mercado, ou seja, têm baixíssima liquidez.Recentemente, no entanto, alguns estruturadores criaram mecanismos para que o cliente consiga sair do investimento antes do prazo de vencimento, como é o caso da XP Investimentos, que permite liquidez a partir de 90 dias da emissão do COE. A saída pode ocorrer tanto a preços de mercado, o que nesse caso pode ter uma perda em relação ao valor investido, quanto por meio de um financiamento, com a esperança de que o ganho final do COE seja suficiente para arcar com os juros do empréstimo. É importante que o investidor tenha em perspectiva que a liquidez pode ter um custo elevado.Por que investir em um COE?Dados todos esses "detalhes", o investidor deve ponderar bastante se faz sentido pra ele ou não investir em um COE. Segundo os próprios bancos que estruturam esses produtos, é preciso que o investidor tenha em mente que eles devem ocupar apenas um pequeno espaço em seu portfólio, para fins de diversificação. Além disso, uma vantagem destacada por eles é que esse produto permite estruturas e acesso a mercados mais complexos do que o investidor pessoa física teria normalmente. "O COE oferece uma alternativa de diversificação com proteção de capital. Para quem tem receio de investir diretamente no mercado internacional, por exemplo, o COE possibilita essa diversificação com um risco controlado", afirma Luciano Diaferia, superintendente de produtos do Itaú Unibanco.Recentemente, é justamente no mercado internacional que os estruturadores têm encontrado oportunidades para montar COEs. No caso do Itaú, Diaferia destaca os COEs associados a títulos de renda fixa emitidos pelo governo brasileiro no exterior, também chamados de títulos soberanos."O investidor aproveita a exposição a um título emitido no exterior, mas sem agregar muito risco à sua carteira", afirma. Ele explica que, por meio dos COEs, é possível ter um retorno acima do rendimento dos títulos públicos brasileiros emitidos no mercado daquele país e sem precisar abrir uma conta internacional.No Santander, um dos tipos de COEs de maior destaque é o atrelado ao S&P 500, índice da bolsa americana, segundo Antonio Polezzi, principal executivo de mesa de renda fixa clientes. Ele explica que, em alguns casos, faz sentido que o cliente "abra mão de uma parte dos juros" (ou seja, deixando de investir tudo em um título como o Tesouro Selic, por exemplo) para tentar "aumentar a rentabilidade da carteira"."Historicamente, o COE faz muito sentido em dois cenários: o de taxas de juros muito baixas ou de incerteza muito grande no mercado", afirma Polezzi. O atual momento é de incerteza.Questionado se, em um caso como esse, não faria mais sentido o investidor aplicar diretamente em um ETF (fundos de índices negociados diretamente na B3) do S&P 500, combinado a um título atrelado à Selic, o especialista afirma que, a grande vantagem do COE, nesse caso, seria a garantia de pelo menos um pouco de rendimento. "Uma estrutura como essa tem uma rentabilidade mínima, o investimento paga entre 11% a 12% ao ano ou a variação do S&P, o que for o maior", diz. Especialistas reconhecem, no entanto, que, apesar das possibilidades do COE, não é fácil concorrer com a renda fixa no Brasil, especialmente em um cenário de juros em 13,25% ao ano como é o atual. Mas, segundo Fabio Zenaro, diretor de produtos, balcão e novos negócios da B3, a "beleza do COE" está justamente na sua adaptabilidade a diferentes cenários. Ou seja: ele pode ser montado de modo que se aproveite do que está acontecendo naquele momento. "Diferente dos produtos tradicionais, o COE pode estar relacionado em cada período a uma fase, um tipo de produto", diz.Você sabe no que está entrando?Um contraponto trazido constantemente por especialistas ao avaliarem os COEs é o fato de o investimento nem sempre ser fácil de ser entendido e até mesmo explicado. Isso porque as estruturas sempre envolvem uma espécie de “toma-lá-dá-cá”. Em troca de uma proteção para o investimento, o investidor abre mão de algum ganho. Ou em troca da possibilidade de um ganho maior, o investidor acaba assumindo alguns riscos.E aqui entra um dado importante: do total do volume financeiro do estoque de COEs registrados na B3, 58% são do tipo "call" e 13% de "retorno condicional" (que é atualmente chamado de COE de crédito). Mas só registrado na B3 há 32 tipos diferentes de COEs, com os mais variados tipos de ativos e as mais variadas formas de funcionamento. A gente precisaria de muito mais linhas dessa matéria (e muito mais paciêncida de você leitor) para explicar todas essas estruturas.Entendeu do que se trata? Não? Pois é. Esse é um problema. Mas a gente explica. No chamado "COE de call", o termo em inglês refere-se a uma opção de compra. É um contrato relativamente popular no universo dos especialistas financeiros.Nessa modalidade, o investidor aposta na valorização de um ativo específico, como um índice de ações. Dentro do COE, há uma combinação entre uma aplicação de renda fixa, que garante a proteção do capital investido, e uma opção de compra (a famosa call) sobre o ativo.Como resultado final, se o ativo se valorizar, o investidor recebe um percentual dessa alta como retorno. Mas, caso o ativo se desvalorize, ele só recebe um valor fixo de volta, abrindo mão de parte ou da totalidade dos juros do período.Já o COE de Crédito funciona de maneira diferente. Nesse caso, a rentabilidade está ligada ao risco de crédito de uma empresa ou país específico. Se o emissor do título pagar tudo que deve, o retorno do COE é superior às taxas de mercado para investimentos semelhantes. Mas se o emissor enfrentar problemas financeiros e der um calote, o investidor pode perder parte ou até mesmo todo (isso mesmo, 100%) o valor investido.Entenda os COEs popularesA pedido do Valor Investe, o Santander, o Itaú e a XP Investimentos enviaram exemplos de COEs que têm sido comercializados recentemente. Aqui, explicaremos como cada um deles funciona. Bolsa Americana “ganha-ganha”Essa estrutura é um exemplo de “COE de call”. O prazo da aplicação é de cinco anos e o índice de referência é o S&P 500, indicador que mede a valorização das 500 maiores empresas negociadas nas bolsas dos Estados Unidos.A rentabilidade mínima do investimento é 13% ao ano, que é cerca de 1,5 ponto percentual abaixo do rendimento do Tesouro Prefixado, disponível no Tesouro Direto. No entanto, caso o S&P 500 suba mais do que 82% no período, contado de hoje até o vencimento do COE, daqui a cinco anos, o investidor recebe integralmente esse ganho. Bolsa Americana Alta IlimitadaEssa estrutura é semelhante à anterior, mas com algumas diferenças importantes. A primeira é que a rentabilidade mínima do COE é zero. Significa que se o S&P 500 cair, o investidor recebe de volta apenas o capital que investiu, sem juros.Em contrapartida, se o retorno do S&P 500 for positivo, a rentabilidade é equivalente a 1,85 vez a da alta do índice. Por exemplo, se o S&P 500 tiver valorização de 20% no período, o retorno do COE será de 37%.Capital de risco sobre título de dívida internacionalEsse é um exemplo de COE de crédito, ou investimento com valor nominal de risco referenciado em risco de crédito. O prazo do investimento é de oito anos, parecido com o do Tesouro IPCA com Juros Semestrais, disponível no Tesouro Direto.No entanto, a rentabilidade do COE é de IPCA mais 4,3% no semestre, aproximadamente, o que é equivalente a 8,8% ao ano. Já o rendimento do Tesouro IPCA, atualmente, é de cerca de IPCA mais 7,5% ao ano.A contrapartida é que o rendimento do COE está atrelado ao risco de crédito de um título emitido pelo Brasil no mercado internacional. Significa que, se o Brasil der um calote na dívida externa em algum momento de hoje até 2033, o investidor do COE não recebe integralmente o capital que investiu.Soberano IPCAEsse COE é semelhante ao anterior, com a diferença que a remuneração adicional ao IPCA tem como referência a rentabilidade das Notas do Tesouro Nacional da série B (NTN-B), ou seja, o Tesouro IPCA+.Como se pode ver, COE é um investimento muito mais complexo para a pessoa física entender do que qualquer outro tipo de aplicação. E, se existe uma máxima correta quando o assunto é dinheiro é: nunca entre naquilo que você não consegue entender perfeitamente o funcionamento, porque o desconhecimento anda de mãos dadas com o prejuízo. E é isso que o Valor Investe tem presenciado.No último ano, cresceu muito o número de leitores que escreveu para a equipe do site, relatando que investiu em COE - muitas vezes quantias relevantes e em 100% das vezes como recomendação do banco, da corretora ou da plataforma de investimento do qual é cliente -, sem entender ao certo no que estava aplicando. E, via de regra, o resultado foi perda de dinheiro ou, na melhor das hipóteses o dinheiro que aplicou de volta, sem nem um real a mais de ganho. Portanto, olhos abertos!Mais LidasGetty Images